A constituição psíquica, para a psicanálise, antecede até mesmo o nascimento da criança. Sendo um ser que foi falado, torna-se o sujeito na linguagem, antes de ser o sujeito que deseja. Ao sair do ambiente aquático e seguro que o útero lhe transmitia, um bebê adentra a atmosfera, precisa lidar com o ar em seus pulmões e nasce em total desamparo. É o único mamífero a nascer nessa condição. Se não encontrar alguém que lhe preste cuidados básicos, o bebê não conseguirá sobreviver por muitas horas e se em seu caminho, não encontrar outros humanos para ter trocas relacionais-afetivas, o sujeito estará em perigo. Perigo de um fechamento em si, que pode conduzir a morte não apenas psíquica, mas como comprovam os psicanalistas de bebês, pode conduzir a morte física.

Freud, Lacan, Dolto, Laznik e tantos outros explanaram em suas teorias a importância das funções: materna e paterna. Todo o processo de alienação, da estruturação dos três tempos pulsionais e posteriormente, a separação, são vicissitudes que fazem parte da formação psíquica do bebê. Esse psíquico que não se separa do corpo físico, que está ligado a ele assim como as cadeias de um DNA. Não há como separá-los.

Neste curso, além de nos aprofundamos sobre o nascimento do humano, a psicanalista Lia Batista nos falará sobre como a clínica psicanalítica com bebês é a clínica da emergência psíquica, pensando sempre que são estruturas ainda não decididas, que os “dados estão no ar”. Tanto em sua experiência em abrigos e nos CMPP (Centres Médico Psycho Pédagogiques) na França, Lia Batista pôde estar em contato com situações que desafiaram até mesmo a psicanálise. Falaremos sobre os modos que um bebê pode arranjar para falar de seu sofrimento,  sobre quais sinais são de risco, fazendo seu corpo como palco deste dizer. A clínica com o bebê nos mostra que pode haver casos em que o bebê permanece em total silêncio e que pode algum motivo, não invoca o Outro. Não é a toa que essa clínica é conhecida como “precoce”. 

Dolto diria que o tempo para um bebê é diferente do tempo para um adulto. Um dia, para os adultos, têm 24h, já para o bebê, tem 72h. Um bebê vive, ao nível de seu desenvolvimento corporal e psíquico, três dias em um. Desse modo, podemos compreender como essa clínica é delicada e como o trabalho requer muita prática do analista, pois um bebê nunca chega sozinho. Ainda que seus pais de nascimento o tenham abandonado, ele sempre chegará com estes pais e outros do qual pode ou espera chamar de “papa” e “mamam”.